Entrevistas de Atleta
Pedro Henriques
Pedro Henriques: "Não sei fazer fretes"
Pedro Henriques

Pedro Henriques: 'Não sei fazer fretes'

No Benfica treinou com colegas alcoolizados e foi protegido por Mozer quando Yuran lhe quis bater. No FC Porto decidiu nunca mais voltar a falar com um treinador sobre questões técnicas. O ex-jogador virou comentador, mas não alinha no ‘futebolês’. E responde aos treinadores que ameaçam tirá-lo da SportTV

Como se lembraram de si para comentador de futebol?
Nunca perguntei. Uma vez convidaram-me para participar num fórum da SportTV, penso que o assunto era os ordenados em atraso dos jogadores. Deviam saber que não tinha problemas em falar abertamente. E malhei: quando no futebol português os clubes estavam dentro da lei desde que não tivessem mais de dois ordenados em atraso, está tudo dito. Os jogadores têm a faca e o queijo na mão e ficam todos amedrontados, cada um a olhar para o seu umbigo. ‘É ele, não sou eu’. É uma coisa que sempre me revoltou. Mas também conheci homens a sério, que não tinham medo de ficar sem ordenado ou de ser encostados se levantassem a voz.

Como começa a ganhar estatuto na SportTV?
Passado uma semana ou duas convidaram-me para mais um fórum e um dia perguntaram-me se não queria colaborar com maior regularidade e ser pago por isso. Nessa altura andava sempre por Lisboa, a trabalhar em empresas de construção, e aceitei. Comecei a comentar jogos.

Nos dois anos em que esteve desligado do futebol dedicou-se à construção?
Comecei com o meu pai e um primo na compra e reabilitação de imóveis. Depois tentei sozinho, mas fartei-me de perder dinheiro. Percebi que não tinha feitio para ser aldrabão, nem tinha dinheiro suficiente para aguentar quando corria mal.

Mas não perdeu tudo?
Guardei uma parte. Dinheiro não tenho, mas tenho património, que sempre me preocupei em construir. Tenho de trabalhar e gosto muito do que faço.

Houve uma bronca quando puseram a circular comentários depreciativos que fez sobre os ‘frangos’ do Roberto.
Começámos a fazer testes, o narrador, eu e o repórter de pista, e às tantas, ao ver a ficha de jogo, há um que se lembra e diz: ‘E se abrisse assim: boa noite, hoje não há frango à Roberto?’. Lançou aquilo, o outro diz que o Roberto usa as mesmas luvas do Quim e eu comento: ‘O Quim foi-se embora e se calhar meteu vaselina nas luvas’. Isto não parava e quando o repórter de pista diz que ia perguntar ao Jesus sobre o assunto, previno-o: ‘Não chames cavalo branco ao homem’. É uma das alcunhas dele, penso que tinha a ver com o cabelo branco parecido com o de Álvaro Cunhal. Se alguém tem admiração pelo Jorge Jesus sou eu. Passado um bocado estava na internet o que tínhamos dito antes de começar a emissão. Nunca diria aquilo no ar.

Que consequências houve?
Estive um ano sem fazer jogos do Benfica para a SportTV.

Tentou retractar-se?
Liguei ao César Peixoto, que jogava no Benfica, e pedi-lhe que apresentasse as minhas desculpas ao Roberto. E liguei ao Nuno Gomes, que era o capitão, para pedir desculpa a toda a equipa. Disseram-me que nem o Roberto nem os outros jogadores tinham passado cartão. Fiz asneira, mas percebi que foi um problema grave no Benfica porque tinha a ver com os direitos televisivos que estavam a ser negociados. Quiseram misturar tudo porque dava jeito.

Esse episódio inibe-o ao fazer os comentários aos jogos?
É muito comum os adeptos do Benfica ou do FC Porto culparem a SportTV quando perdem, mas a mim nunca ninguém me disse para inclinar mais para um lado ou para o outro. Recebo mensagens de treinadores, através de supostos assessores ou por recadinhos de amigos, ‘ah, vê lá se dás uma moralzinha’, e às vezes respondo: ‘Tu és assalariado do clube, eu não’. Outros são mais mal-educados. ‘Vê lá, qualquer dia tiramos-te daí’. Respondo ao mesmo nível. Para fazer fretes metam cá outro que eu não os sei fazer.

Alguém que vê futebol por lazer, percebe alguma coisa quando os comentadores começam a falar na posição oito, no duplo pivot, nas entrelinhas?
Somos um país de senhores doutores e engenheiros e como é a linguagem do curso de treinador isso agora generalizou-se. Fiz o curso até ao segundo nível, u mas esse vocabulário faz-me confusão. Para mim o pivot é do andebol ou um dente. Gosto de lhe chamar trinco.

A posição oito é das coisas mais geniais. No fundo querem referir-se ao médio de transição, que é outra expressão muito em voga.
Quando digo ‘transição’, tento logo explicar que é por exemplo a passagem da defesa para o ataque. Quem criou esta linguagem acho que foi o professor Carlos Queiroz.

Destas novas expressões filosóficas, qual detesta mais?
Quando falam nos esquemas tácticos complica-me o sistema nervoso. Por que não dizem canto ou livre? Qualquer dia é preciso legendas para ver futebol.

Os treinadores que teve utilizavam estes termos?
Não. É da malta nova. São termos da faculdade. Oiço dizer tanta coisa que às tantas nem sei se estou a ver futebol. Mas os treinadores de agora são mais evoluídos.

Já foi convidado para treinar alguma equipa?
Duas vezes. Uma equipa da primeira e outra da segunda.

Não tem essa ambição?
Eram dois clubes que não estão estabilizados. E depois é algo que requer preparação. Tinha de haver condições muito especiais para deixar de fazer o que faço. Trabalho muito e ganho o que é justo. E por mim trabalhava mais. Eles têm o meu número [risos].


Fonte: Sol.sapo.pt
Autor: Academia de futebol
comentários
Não foram introduzidos comentários a esta entrevista!
PUB
TacticalPadSericertimaTacticalPadMundo do TreinadorBairrinformática
AcademiaAcademiaFalta informação?
Academiapatrocinadores (energigas)
TacticalPadEnergigas24Sports Training