BEM VINDO AO NOSSO SITE
Sexta-feira, 29-03-2024 12:19
Periodicidade Semanal Nº 3985
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Como se lembraram de si para comentador de futebol?
Nunca
perguntei. Uma vez convidaram-me para participar num fórum da SportTV,
penso que o assunto era os ordenados em atraso dos jogadores. Deviam
saber que não tinha problemas em falar abertamente. E malhei: quando no
futebol português os clubes estavam dentro da lei desde que não tivessem
mais de dois ordenados em atraso, está tudo dito. Os jogadores têm a
faca e o queijo na mão e ficam todos amedrontados, cada um a olhar para o
seu umbigo. ‘É ele, não sou eu’. É uma coisa que sempre me revoltou.
Mas também conheci homens a sério, que não tinham medo de ficar sem
ordenado ou de ser encostados se levantassem a voz.
Como começa a ganhar estatuto na SportTV?
Passado
uma semana ou duas convidaram-me para mais um fórum e um dia
perguntaram-me se não queria colaborar com maior regularidade e ser pago
por isso. Nessa altura andava sempre por Lisboa, a trabalhar em
empresas de construção, e aceitei. Comecei a comentar jogos.
Nos dois anos em que esteve desligado do futebol dedicou-se à construção?
Comecei
com o meu pai e um primo na compra e reabilitação de imóveis. Depois
tentei sozinho, mas fartei-me de perder dinheiro. Percebi que não tinha
feitio para ser aldrabão, nem tinha dinheiro suficiente para aguentar
quando corria mal.
Mas não perdeu tudo?
Guardei
uma parte. Dinheiro não tenho, mas tenho património, que sempre me
preocupei em construir. Tenho de trabalhar e gosto muito do que faço.
Houve uma bronca quando puseram a circular comentários depreciativos que fez sobre os ‘frangos’ do Roberto.
Começámos
a fazer testes, o narrador, eu e o repórter de pista, e às tantas, ao
ver a ficha de jogo, há um que se lembra e diz: ‘E se abrisse assim: boa
noite, hoje não há frango à Roberto?’. Lançou aquilo, o outro diz que o
Roberto usa as mesmas luvas do Quim e eu comento: ‘O Quim foi-se embora
e se calhar meteu vaselina nas luvas’. Isto não parava e quando o
repórter de pista diz que ia perguntar ao Jesus sobre o assunto,
previno-o: ‘Não chames cavalo branco ao homem’. É uma das alcunhas dele,
penso que tinha a ver com o cabelo branco parecido com o de Álvaro
Cunhal. Se alguém tem admiração pelo Jorge Jesus sou eu. Passado um
bocado estava na internet o que tínhamos dito antes de começar a
emissão. Nunca diria aquilo no ar.
Que consequências houve?
Estive um ano sem fazer jogos do Benfica para a SportTV.
Tentou retractar-se?
Liguei
ao César Peixoto, que jogava no Benfica, e pedi-lhe que apresentasse as
minhas desculpas ao Roberto. E liguei ao Nuno Gomes, que era o capitão,
para pedir desculpa a toda a equipa. Disseram-me que nem o Roberto nem
os outros jogadores tinham passado cartão. Fiz asneira, mas percebi que
foi um problema grave no Benfica porque tinha a ver com os direitos
televisivos que estavam a ser negociados. Quiseram misturar tudo porque
dava jeito.
Esse episódio inibe-o ao fazer os comentários aos jogos?
É
muito comum os adeptos do Benfica ou do FC Porto culparem a SportTV
quando perdem, mas a mim nunca ninguém me disse para inclinar mais para
um lado ou para o outro. Recebo mensagens de treinadores, através de
supostos assessores ou por recadinhos de amigos, ‘ah, vê lá se dás uma
moralzinha’, e às vezes respondo: ‘Tu és assalariado do clube, eu não’.
Outros são mais mal-educados. ‘Vê lá, qualquer dia tiramos-te daí’.
Respondo ao mesmo nível. Para fazer fretes metam cá outro que eu não os
sei fazer.
Alguém que vê futebol por lazer, percebe alguma
coisa quando os comentadores começam a falar na posição oito, no duplo
pivot, nas entrelinhas?
Somos um país de senhores doutores e
engenheiros e como é a linguagem do curso de treinador isso agora
generalizou-se. Fiz o curso até ao segundo nível, u mas esse vocabulário
faz-me confusão. Para mim o pivot é do andebol ou um dente. Gosto de
lhe chamar trinco.
A posição oito é das coisas mais geniais. No fundo querem referir-se ao médio de transição, que é outra expressão muito em voga.
Quando
digo ‘transição’, tento logo explicar que é por exemplo a passagem da
defesa para o ataque. Quem criou esta linguagem acho que foi o professor
Carlos Queiroz.
Destas novas expressões filosóficas, qual detesta mais?
Quando
falam nos esquemas tácticos complica-me o sistema nervoso. Por que não
dizem canto ou livre? Qualquer dia é preciso legendas para ver futebol.
Os treinadores que teve utilizavam estes termos?
Não.
É da malta nova. São termos da faculdade. Oiço dizer tanta coisa que às
tantas nem sei se estou a ver futebol. Mas os treinadores de agora são
mais evoluídos.
Já foi convidado para treinar alguma equipa?
Duas vezes. Uma equipa da primeira e outra da segunda.
Não tem essa ambição?
Eram
dois clubes que não estão estabilizados. E depois é algo que requer
preparação. Tinha de haver condições muito especiais para deixar de
fazer o que faço. Trabalho muito e ganho o que é justo. E por mim
trabalhava mais. Eles têm o meu número [risos].